Em Outubro de
1983 estreou em Lisboa o último filme do realizador Rainer Werner Fassbinder.
Com o selo de “Filme de Qualidade”, classificado como “interdito a menores de
18 anos” e com um cartaz com a palavra “Escandaloso!”, estava
destinado a ser um sucesso no extinto Quarteto. Foi aí que corri a vê-lo e me
excitei com as aventuras desse belo e sexy marinheiro de nome Querelle e nunca
me esqueci do fabuloso e forte lado visual do filme.
Julgo que foi a
primeira vez que vi num filme cenas de sexo entre dois homens; sim, nesse tempo
não havia internet e filmes de temática gay eram raríssimos. Lembro-me que
alguns espectadores abandonaram a sala após a primeira e explícita cena de
sexo. Recordo-me também que uma amiga minha ficou muito chocada, não com essas
cenas, mas pelo facto dos sentimentos que o capitão nutre por Querelle serem
iguais aos sentimentos que uma mulher nutre por um homem. Eram na realidade
outros tempos!
Na altura
escrevi um resumo da história e a minha “crítica”, que agora reproduzo aqui com
uns pequenos arranjos. Um aviso, contém “spoilers”.
ARGUMENTO: Querelle
é um jovem e belo marinheiro que chega ao porto de Brest. Aí encontra o seu irmão,
que é amante de Lysianne; entre os irmãos há mais do que amor fraternal.
Querelle propõem ao marido de Lysianne, que é
o dono do bar onde esta canta, um negócio que envolve droga; tudo fica
combinado e Querelle convida outro marinheiro a ajudá-lo e depois mata-o.
Entretanto, um mineiro que se encontra apaixonado por um rapaz, diz-lhe que ama
a irmã dele e assim aproxima-se do rapaz. O capitão do barco, que está
apaixonado por Querelle, assiste a tudo o que se passa e dita-o para um
gravador.
Querelle
encontra-se com o dono do bar e joga aos dados com ele; se ganhar pode ir para
a cama com Lysianne, se perder é “enrabado” por este; Querelle perde, é “enrabado”
e gosta. A partir daí encontra-se mais vezes com ele e acaba por fazê-lo com um
polícia. O mineiro assassina um marinheiro e refugia-se, Querelle vai ajudá-lo
e incita-o a roubar o capitão, o que ele faz; mas primeiro Querelle disfarça-o
e este fica igual ao seu irmão. Depois do assalto os dois encontram-se e, beijando-se
longamente, dizem amar-se; em seguida Querelle entrega-o à polícia.
Querelle vai
para a cama com Lysianne, mas esta nota que ele não se excita e então ele
diz-lhe que é “rabicho” e que o marido dela pôs-se nele; Lysianne fica muito
chocada e sente-se perdida. Querelle descobre que o capitão o ama e refugia-se
no amor deste. No bar, Lysianne põe as cartas e descobre que afinal o seu
amante não é irmão de Querelle, que não tem irmãos e sente-se feliz por isso.
CRÍTICA: Finalmente
estreia-se entre nós o último filme de Fassbinder. Na carreira do realizador
marca quase uma viragem Os seus filmes anteriores tinham como base histórias de
mulheres (LILI MARLENE, LOLA, MARIA BRAUN, VERONICA VOSS), ao mesmo tempo é um
regresso ao tema do homossexualismo (O DIREITO DO MAIS FORTE À LIBERDADE, PETRA
VON KANT). É no tema tabu que reside o escândalo e polémica do filme ao qual Fassbinder
dá um tom surrealista e artificial, para o que muito ajudam os cenários de
estúdio e a fotografia em tons amarelados e alaranjados.
O argumento,
baseado no romance de Jean Genet “Querelle de Brest”, limita-se a narrar a
passos largos a história de Querelle e das pessoas que seduz. São os diálogos
que se encontram cheios de significados; assim, Querelle apaixona-se pelo
mineiro porque o acha parecido com o seu irmão e, no fim, sentindo-se só e
perdido agarra-se ao amor do capitão. Conclusão, Querelle serve-se dos que
seduz para obter o que quer.
Falando dos actores,
todos dão um ar artificial às suas interpretações. Os melhores são Brad Davis
no papel principal, que nos faz lembrar James Dean tanto fisicamente como como
na forma de representar, e Jeanne Moreau no papel de Lysianne (uma espécie de
Marlene Dietrich decadente), a única mulher do filme, a quem Querelle diz que
ela “é apenas uma mulher, mais nada”. Temos ainda Franco Nero como o apaixonado
capitão e Laurent Malet que, como o alvo da paixão do mineiro, representa a
inocência no meio do pecado.
Filme diferente,
por isso polémico, põe o dedo na ferida do homossexualidade e choca o público,
principalmente na cena em que Querelle é possuído pelo dono do bar.
Uma última nota,
toda a acção do filme encontra-se resumida na canção que Lysianne canta: “Every
man kills the things he loves”. Há ainda uma homenagem a WEST SIDE STORY, a
luta/dança entre os dois irmãos. Classificação:
8 (de 1 a 10)
A memória é traiçoeira, mas arrisco dizer que vi este filme pela primeira vez no final dos anos 80, no cinema Quarteto, numa sessão da manhã! Penso que numa daquelas iniciativas do Quarteto de exibir filmes durante toda a madrugada, como forma de comemorar o aniversário da sala. Já conhecia bem e adorava Fassbinder, e este filme era particularmente célebre. Gostei muito de o ver mas perturbou-me igualmente, pois é um filme-limite, em que a atração da morte é tão forte quanto a atração do sexo (esta idei remeteu-me para outro filme de que tanto gosto: Matador, do Almodovar). Abç
ResponderEliminarNesta dualidade entre a atração e a morte, pode-se dizer que O DESCONHECIDO DO LAGO é um primo afastado deste filme. Quanto ao MATADOR é um dos meus preferidos do Almodovar.
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