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terça-feira, 11 de julho de 2023

O MOTIM DE STONEWALL

INTRODUÇÃO

No dia 28 de Junho deste ano fez 54 anos que o motim de Stonewall teve lugar em New York, mais propriamente em Greenwhich Village. A propósito deste marco histórico na História da luta pelos direitos da comunidade Queer, ou LGBT se assim preferirem, tenho visto muitos comentários neste grupo e, como o meu conhecimento do assunto era superficial, decidi investigar sobre o assunto.

Assim, como prometido, aqui fica o resultado da minha pesquisa sobre Stonewall. Para variar não é a minha opinião (só no capítulo PENSAMENTOS FINAIS é que divago um pouco), mas sim os factos que encontrei em vários locais. Não estou aqui para tomar lados, agradar a todos, nem ferir susceptibilidades. Também não estou preocupado se acreditam/concordam ou não no resultado das minhas pesquisas (no final deste texto encontram os links que consultei sobre o assunto), mas pelo menos, para mim próprio, esclareci a história e a mitologia de Stonewall.

Acima de tudo, o mais importante é que Stonewall aconteceu e graças aos Queer presentes nessa noite histórica, e aos dias que se seguiram, a nossa luta ganhou contornos mais fortes!

ANTES DE STONEWALL

Ao contrário do que muitos de nós pensam, a luta pelos nossos direitos não começou essa noite em Stonewall. Tudo indica que começou em Berlim, Alemanha, em 1897, com a criação da Scientific-Humanitarian Committee, fundada por um judeu de origem alemã de nome Magnus Hirschfeld, que era médico e sexólogo.

A primeira organização LGBT de origem americana, foi fundada em 1924 por Henry Graber, com o nome “The Society for Human Rights”. Na década de 50, nascem a “The Mattachine Society”, fundada por um grupo de homens gay, e a “Daughters of Bilitis”, que consta ser o primeiro grupo lésbico a lutar pelos seus direitos. Estas três organizações editaram as primeiras revistas onde se falava abertamente dos problemas da comunidade Queer: “Friendship & Freedom”, “The Mattachine Review”, “The Ladder”.

A homossexualidade era considerada uma ofensa criminal em muitos dos estados americanos, incluindo o de New York. Entre as leis existentes, práticas gays eram ilegais e uma proibia os bares de venderem bebidas alcoólicas a gays, pois achavam que uma reunião de gays era um convite à desordem. Outra obrigava qualquer indivíduo a ter vestido pelo menos três peças de roupa apropriadas ao seu sexo biológico, caso contrário dava direito a prisão. Em 1966, a primeira lei foi refutada pela “The Mattachine Society” que desafiou os donos dos bares a expulsá-los por causa da sua sexualidade e quando estes o faziam processavam-os; entra a “Commission of Human Rights” que declara que os gays têm o direito de ser servidos, o que leva a uma redução das rusgas policiais.

O BAR STONEWALL

Em 1934 em Greenwich Village, abria um bar e restaurante com o nome Bonnie’s Stonewall Inn e assim se manteve até que em 1964 foi destruído pelo fogo e no ano seguinte é vendido.

Nos anos 60, a família mafiosa Genovese percebeu que podia fazer muito dinheiro com os gays e controlavam a maioria dos bares em Greenwich Village; são eles os novos donos do Stonewall Inn que renovam e reabrem em 1967 como um clube gay privado. Os seus clientes tinham que assinar (muitas vezes com nomes falsos) um livro quando entravam no bar, para dar a aparência que se tratava de um clube exclusivo, e era suposto serem eles a levar as suas próprias bebidas, assim evitando ser necessário a existência de uma licença para vender álcool. Entretanto, a Máfia subornava a polícia para que estes ignorassem o que se passava no interior do bar.

Pelo facto da polícia se manter afastada do bar, os seus donos podiam cortar nas despesas no que dizia respeito às condições do bar, bem como chantagearem os gays ricos que queriam esconder a sua sexualidade.

O bar não era muito caro, o que levava a que a sua clientela tivesse muitos jovens gays fugidos de casa, cujo poder económico era pouco ou nenhum. Tinha a particularidade de aceitar sem problema drag queens, que não eram bem aceites noutros bares. Outras das suas vantagens é que era dos poucos bares, ou mesmo o único, onde era permitido dançar no seu interior.

Claro que, de vez em quando, a polícia lá fazia umas rusgas, mas antes avisam o bar para que este “escondesse” as suas ilegalidades. Mas na noite de 28 de Junho de 1969, por razões desconhecidas, o bar não foi avisado da eminente rusga.

O MOTIM DE STONEWALL

Era uma normal noite de sábado quando a polícia invadiu o Stonewall apresentando um mandato que o permita fazer. No bar encontraram álcool ilegal e pessoas que não estavam devidamente vestidas de acordo com o seu género biológico. No total prenderam 13 pessoas, incluindo empregados.

Mas nessa noite, por razões que se desconhecem (rumores que o funeral de Judy Garland no dia anterior podia ter tornado a clientela mais susceptível, nunca foram confirmados, antes pelo contrário), os clientes do bar e os residentes da zona em vez de se afastarem do local reuniram-se em redor deste. De acordo com diversas fontes, tudo começou quando uma lésbica que estava a ser levada algemada para dentro de uma carrinha se queixou que as algemas estavam muito apertadas e como resultado o polícia agrediu-a na cabeça, o que levou a que ela gritasse, incentivando a pequena multidão a fazer alguma coisa. Este seu apelo levou a que os presentes começassem a atirar moedas, garrafas, copos e pedras (o famoso primeiro tijolo não está confirmado se aconteceu) contra a polícia.

Em poucos minutos, um verdadeiro motim com algumas centenas de pessoas ganhou força levando a polícia e alguns dos seus prisioneiros a barricarem-se no interior do bar. Entretanto, usando cocktails molotov improvisados, a multidão tentou incendiar o bar.

Consta que jovens gay e drag-queens de braço dado fizeram uma “kickline” ao estilo das Rockette, enquanto cantavam os seguintes versos:

“We are the Stonewall Girls

We wear our hair in curls.

We wear no underwear:

We show our pubic hairs.”

A chegada de bombeiros e mais polícia conseguiu travar o fogo e “salvar” as pessoas que estavam dentro do bar, ao mesmo tempo, entre gritos de protesto, conseguiram dispersar a multidão. Mas os protestos, cada vez com mais participantes, continuaram por mais noites.















OS NOMES DE STONEWALL

Vários nomes surgiram deste motim. De acordo com muita gente e confirmado por ela, Stormé DeLarverie foi a lésbica que incentivou a multidão a agir. Era conhecida por ser uma inovadora artista “drag” e nos anos 50/60 era a única imitadora de homens a actuar na Jewel Box Revue e, de acordo com ela, antes tinha sido guarda-costas da Mafia em Chicago. Ela era uma espécie de guardiã de Greenwich Village e, graças à sua participação no motim, ficou conhecida por “Rosa Parks of Stonewall.”

Ao contrário do que algumas pessoas afirmam, quando Marsha P. Johnson e Sylvia Rivera chegaram ao bar naquela noite, por volta das 2 da madrugada, o motim já estava em marcha; a própria Johnson disse numa entrevista: “o lugar já estava a arder e já havia um motim. Os motins já tinham começado.” (the place was already on fire, and there was a raid already. The riots had already started.)

Marsha, cujo verdadeiro nome era Malcolm, havia trocado a sua família por New York, onde se encontrou a ele próprio como drag-queen, tendo afirmado: “Eu era um Zé ninguém, de Nowheresville até que me tornei uma drag queen. Foi isso que fez de mim quem eu sou em New York, quem eu sou em New Jersey, foi o que me fez quem eu sou no mundo.” (I was no one, nobody, from Nowheresville until I became a drag queen. That’s what made me in New York, that’s what made me in New Jersey, that’s what made me in the world.) Após Stonewall ela juntou-se ao grupo Gay Liberation Front e, juntamente com a sua amiga Sylvia, co-fundou STAR (Street Transvestite Action Revolutionaries), que ajudava os queer sem abrigo a terem locais onde viver. Ela, que se assumia como “a gay person, a transvestite, and a drag queen”, foi um dos pilares da luta pelos direitos LGBT e era conhecida por “Santa Marsha”.

Tal como Marsha, também Sylvia Rivera se tornou um dos nomes proeminentes que saíram dos motins de Stonewall. De ascendência latina, Sylvia saiu de casa com cerca de 10 anos e foi viver para as ruas de New York como uma criança prostituta. As drag queens da zona, principalmente Marsha, decidiram “adoptá-la” e ela tornou-se uma drag queen e, mais tarde, transgender. Com Marsha criou o já referido STAR. Quanto à sua participação nos motins as versões variam; há quem diga que ela não esteve lá e quem defenda o contrário. A própria costumava brincar dizendo “que não atirou o primeiro cocktail molotov, mas que atirou o segundo. Mas o que importa é que após Stonewall se tornou uma verdadeira lutadora pelos direitos de nós todos, principalmente dos transsexuais.

PENSAMENTOS FINAIS

Depois de ter lido vários artigos e visto alguns vídeos, a verdade é que ninguém sabe ao certo como e quem começou o motim de Stonewall. O escritor Martin Duberman, escreveu no seu livro “Stonewall: The Definitive Story of the LGBTQ Rights Uprising that Changed America”, que um dos participantes nos motins, Eric Marcus, disse “Memória é aquilo de que nos lembramos, de como gostamos de recordar, e de como gostaríamos de ser ler lembrados.” E rindo-se, Duberman, disse “que estavam todos pedrados”.


No livro de David Carter “Stonewall: The Riots That Sparked the Gay Revolution”, este escreveu que Eric Marcus lhe disse que “Stonewall representa pessoas a retaliarem” e que, apesar ninguém saber exatamente o que aconteceu naquela noite “Stonewall é suficientemente grande para incluir todas as histórias.”

Carter escreveu que “na verdade o Pride não foi um protesto mas sim um motim – uma explosão de raiva. Os revolucionários de Stonewall estavam a lutar pelo seu direito de existirem. Não terem que se esconder; poderem andar na rua sua sem recearem pelas suas vidas. Foi sobre reclamar o direito a um espaço – físico, mental. Claro que a luta ainda não acabou: ainda hoje muita gente LGBT sente medo e são vítimas de violência – apenas por existirem como eles próprios.” (We often hear the words ‘Pride was a protest’ but in truth, Pride was a riot – it was an explosion of rage. The revolutionaries at the Stonewall Inn were fighting for their right to exist. Not to have to hide; to be able to walk down the street and not fear for their lives. It was about a reclaiming of space – physical, mental. Of course, the fight is not over: many LGBTQ+ people today still fear and experience violence – just for existing as themselves.)

Como li algures, a noite de Stonewall marcou a “saída do armário” da luta pelos nossos direitos. A verdade é que foi nessa noite que os frequentadores do bar decidiram que estavam fartos dos ataques de que eram alvo e, para muitos deles, pouco ou nada tinham a perder por lutar. Pode não se saber quem atirou a primeira pedra (se é que houve pedra), quem deu o primeiro grito de ataque, mas o importante é que nessa noite gays, lésbicas, drag queens, trans, pretos, brancos, gordos, magros, todos se uniram e mudaram para sempre a luta pelos direitos LGBT. Sei que todos temos tendência para tentar adaptar/interpretar a História ao nosso jeito, ao que nos interessa, mas factos são factos e ninguém tem o direito de enaltecer um grupo em detrimento de outro.

O Pride, que se festejou pela primeira vez um ano depois do motim, é um grito de raiva, de alegria, de protesto, de podermos ser quem queremos ser sem medo. Pode não ser o que todos gostaríamos que fosse, mas isso não lhe tira a importância e devia de nos unir em vez de nos dividir. Talvez um dia...
















BIBLIOGRAFIA:

https://www.nps.gov/articles/lgbtq-activism-henry-gerber-house-chicago-il.htm

https://www.history.com/topics/gay-rights/the-stonewall-riots

https://www.nyclgbtsites.org/site/stonewall-inn-christopher-park/

https://guides.loc.gov/lgbtq-studies/stonewall-era

http://www.glbtqarchive.com/ssh/mattachine_society_S.pdf

http://www.glbtqarchive.com/ssh/daughters_bilitis_S.pdf

https://www.nytimes.com/2021/05/13/learning/film-club-the-stonewall-you-know-is-a-myth-and-thats-ok.html

https://www.nationalgeographic.com/history/article/stonewall-uprising-ignited-modern-lgbtq-rights-movement

https://www.thedailybeast.com/the-stonewall-riots-what-really-happened-what-didnt-and-what-became-myth

https://news.harvard.edu/gazette/story/2019/06/harvard-scholars-reflect-on-the-history-and-legacy-of-the-stonewall-riots/

https://time.com/5598363/stonewall-beginnings-history/

https://www.nytimes.com/2019/06/16/us/revisiting-stonewall-memories-history.html

https://brooklynbrewery.com/activist-resources/history-of-the-stonewall-inn-riots/

https://thestonewallinnnyc.com/the-stonewall-inn-story/2017/4/4/ntmsg5ni7iixxdjimmg16hz6dvsi4v

https://www.nationalgeographic.com/amp-stories/stonewall-riots-50th-anniversary-lgbt-gay-pride-stories-resistance-resilience/

https://wams.nyhistory.org/growth-and-turmoil/growing-tensions/marsha-p-johnson/

https://www.routeyou.com/en-de/location/view/48143071/scientific-humanitarian-committee

https://www.gq.com/story/storme-delarverie-suiting

https://www.womenshistory.org/education-resources/biographies/marsha-p-johnson

https://www.womenshistory.org/education-resources/biographies/sylvia-rivera

https://en.wikipedia.org/wiki/Sylvia_Rivera

https://www.nbcnews.com/news/latino/forgotten-latina-trailblazer-lgbt-activist-sylvia-rivera-n438586

https://www.pbs.org/wgbh/americanexperience/features/stonewall-participants/


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