Três jovens homossexuais, Ritchie (Olly Alexander), Roscoe (Omari Douglas) e Colin (Callum Scott Howells), provenientes de meios diferentes, “fogem” para Londres nos anos 80, a fim de puderem viver a sua vida em liberdade. Os seus caminhos cruzam-se e acabam a partilhar o mesmo apartamento, juntamente com Jill (Lydia West) e Ash (Nathaniel Curtis). O que nenhum deles sabia é que muito em breve as suas vidas iriam mudar para sempre devido a uma nova doença chamada SIDA.
A série, da autoria de Russell T. Davies (QUEER AS FOLK), retrata o dia a dia deste grupo de amigos, como lidam com o aparecimento da SIDA e as consequências fatais que a mesma tem nas suas vidas; bem como a forma como as suas famílias reagem perante a aceitação ou não da sua homossexualidade e da doença.
Um convincente e, praticamente, desconhecido (exceção para Olly Alexander) grupo de jovens dá vida aos protagonistas principais deste drama. São secundados por algumas caras conhecidas, como os assumidamente gays Stephen Fry e Neil Patrick Harris, mas é Keeley Hawes, como a mãe de Ritchie, quem mais brilha no elenco.
A série, que começa num tom mais ligeiro, vai-se tornando mais dramática e, diria, mesmo negra e forte. O seu criador, Russell T. Davies, não tem problemas em relatar o problema não só da SIDA, mas também da aceitação da homossexualidade, de forma crua e realista, sem “paninhos quentes”. Por isso e não só, esta série devia ser de visão obrigatória para toda a gente.
As gerações mais novas parecem esquecer-se que ainda se morre de VIH e de SIDA. De acordo com um estudo que li em 2019, existiam no mundo 38 milhões de pessoas com VIH e morreram 690.000. Desde que esta doença foi diagnosticada, no mundo inteiro existiram perto de 75 milhões de casos, com cerca de 32 milhões de mortes. Números assustadores, certo?
Por cá, no relatório “Infeção VIH e SIDA em Portugal – 2020” da DGS, de Novembro 2020, com dados relativos a 2019, revela que no final de 2018 viviam em Portugal cerca de 41.000 infectados. Em relação a 2019 “foram diagnosticados 778 novos casos de infeção por VIH em Portugal, o que equivale a uma taxa de 7,6 casos/100 mil habitantes, não ajustada para o atraso da notificação. Foram ainda notificados 172 novos casos de SIDA e 197 óbitos ocorridos em 2019 em casos de infeção por VIH ou SIDA”. Os dados relativos ao período de 1983-2019, revelam mais de 61.000 casos e mais de 15.000 mortos. O relatório está disponível para consulta no link - http://hdl.handle.net/10400.18/7243
Voltando à série, logo no início, quando Ritchie vai de ferry para Londres, o seu pai oferece-lhe uma caixa de preservativos “para evitar que ele engravide alguma moça”. Com um sorriso malicioso nos lábios, Ritchie lança a caixa ao mar, selando assim o seu destino. Sim, por muito que não gostemos de usar o preservativo, este ainda continua a ser o método mais eficaz contra o VIH e outras doenças sexualmente transmissíveis.
Claro que hoje, as coisas já não são tão dramáticas como foram nas décadas de 80 e 90, onde, acredito que todos nós, vimos morrer amigos e conhecidos. Nessa altura não havia PrEP e não se sabia que os pacientes que tinham carga viral indetetável dificilmente transmitiriam o vírus, nem sequer havia nenhum tratamento capaz de baixar dessa forma a carga viral. Mas atenção, estas duas situações apenas podem evitar a transmissão do VIH, mas não de outras doenças.
Ninguém é santo e quase todos nós, eu incluído, já estivemos em situações de risco. Por muita informação que tenhamos, a verdade é que às vezes no calor do momento, nos esquecemos disso e arriscamos a nossa sorte. Mais tarde, um pouco assustados, vamos fazer o teste à espera de que o resultado seja negativo, mas a verdade é que, se arriscámos, o mesmo pode ser positivo.
Um apontamento curioso na série, é o facto de um dos personagens mais promíscuos não estar positivo (ele próprio acha que é injusto) e o menos promíscuo estar. A vida é assim!
Tudo isto a propósito desta série, que nos fala de um tempo em que se morria com SIDA, nos piores casos com Sarcoma de Kaposi, onde ninguém sabia como lidar com a chamada “doença das bichas”. Morria-se sozinho e isolado do mundo. Direitos LGBT eram uma ilusão e pouca importância era dado a esta doença. Foi preciso morrer gente famosa como o Rock Hudson e o Freddie Mercury, para se começar a falar mais da doença e a procurar uma solução para a mesma. Talvez porque se achou e ainda se acha, que é uma doença que só aflige uma minoria, quase 40 anos depois do seu aparecimento, continua a não a existir uma vacina. Só para comparação, o COVID19 apareceu há pouco mais de um ano e já existem várias vacinas no mercado.
Isto já vai longo e longe de mim querer ser chato, mas ainda tenho algo mais para dizer. Ao contrário de outro tipo de doenças, o VIH e SIDA trazem consigo o síndroma da vergonha. Para o teres contraído é porque fizeste sexo, provavelmente com gays, ou então és drogado; felizmente ou infelizmente, a doença não é exclusiva destes grupos, mas ainda é assim que é vista pela sociedade em que vivemos.
Mais grave ainda, mesmo no meio LGBT, existe um forte estigma em relação aos portadores do VIH. Essas pessoas sentem-se postas de parte pela maioria e acabam por se isolar ou então de omitir que são sero-positivos, a fim de poderem ter uma vida sexual satisfatória. É pena que assim seja, pois seria mais seguro para todos se pudéssemos ser abertos em relação às doenças sexualmente transmissíveis (e porrra! Há tantas!) e tomarmos as devidas precauções de forma a que estas não se propaguem e o preservativo continua a ser um fiel aliado.
Depende de todos nós acabar com o estigma deste tipo de doenças e aprender a respeitar os portadores das mesmas, não os pondo de lado, mas sim aceitando-os e dar-lhes o apoio que necessitam... e o sexo também! Mas façam-no com cuidado! Se não nos apoiarmos uns aos outros, ninguém o fará.
Agora deixo-vos em paz e vão lá ver a série ou amar alguém!
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